quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Pra começar assim


Deus,
caso eu possa pedir uma coisa só, livra-me primeiro dessa vontade de falar de mim. Depois, faça-me mais pedra, mais ponta, mais sal. Arranque de mim esse medo, me livre da ternura vazia, espanta a leveza de mim. Ou então, transforma minha solidão em pano e me envolva, me cubra: faça do meu medo, uma pele. E, se eu merecer, me dê amor. Mostre-me um silêncio mais fundo; me ensine outra alegria, uma que não seja tão parecida com a dor. Eu queria também amar coisas mais fáceis, se for da minha sina e do meu merecimento. Queria menos livros e mais janelas. Roupas com menos pano, um corpo com menos receio de ser só corpo: um corpo mais físico, entende? Queria também sentir um amor mais justo, um de querer menos, de aceitar mais. Ampare-me também quando eu tiver medo de ser rasa; me conforte quando eu for bruta e sem jeito. Afaste-me de tanta perplexidade, faça-me simples, faça-me terra. Ah, faça de mim também um lugar bom para o choro, dando-me uma linha mais firme, um bordado mais limpo. E, se ainda puder, coloque mais do mundo em mim, tire um pouco do prazer da solidão e do amor pela estranheza. Por fim, eu peço uma vida mais limpa, mais centrada em si mesma, sem tanto medo do que não existe, sem tanta paixão pelo ar.

Amém.